HOMOFOBIA E FUTEBOL: UMA DISCUSSÃO QUE PRECISA SAIR DO ARMÁRIO

Durante noventa minutos tudo é permitido. Beijos, abraços, demonstrações de carinho das mais variadas. É futebol, um esporte tão vibrante e emocionante que pede atos de catarse a todo momento. E, realmente, tem mais é que abraçar o desconhecido, beijar quem estiver ao lado e gritar aos quatro cantos que ama o clube, tudo vale.

Mas, quando o portão de saída do estádio é cruzado, as regras mudam. Nenhum daqueles homens que há pouco tempo estavam distribuindo abraços se encostam, carinho entre homens, vira tabu. É claro, cada um sabe do seu, ninguém é obrigado a se beijar, mas é o silêncio que incomoda.

Nos últimos anos, a FIFA e outras entidades como a COMEBOL e a CBF fizeram campanhas louváveis contra o racismo e até contra o machismo – algo bastante surpreendente para um esporte que começou a ter sua copa do mundo feminina apenas em 1991. Contudo, sobre a causa LGBT, o silêncio continua.

Em abril de 2015, quando a campanha contra racismo da Federação Paulista de Futebol (FPF) foi lançada, o diretor de marketing do órgão limitou-se a dizer que é contra qualquer tipo de preconceito, sem dizer nenhuma palavra sobre uma possível campanha direcionada ao combate à homofobia.

Os raros casos de apoio à causa LGBT vêm por parte dos jogadores querendo defender algum colega hétero que é xingado de “viado” ou “bicha” pela torcida – como aconteceu com Richarllyson e Rogério Ceni – ou que são ameaçados pela própria torcida ao demonstrarem apoio à comunidade gay – como aconteceu com Emerson Sheik depois da polêmica foto do selinho em seu amigo. Pouco ou nada se fala sobre os casos de homofobia na torcida. E nenhum jogador profissional de campeonatos principais, jamais se assumiram gay.

O vanguardismo desta causa fica por conta do futebol feminino, onde não são incomuns jogadoras que se assumem bissexuais ou lésbicas. Contudo, é bem possível que esta realidade exista por causa de outro preconceito, o machismo, que torna o futebol feminino bem menos “badalado” e com uma repercussão bem menor na mídia.

É claro que isso, nem nada diminui a coragem de guerreiras como Megan Rapinoe, meio-campista americana que quando jogou no Brasil, nas olimpíadas do ano passado, teve que escutar gritos de “bicha” cada vez que pegava na bola e ver o Comitê Olímpico Internacional não se pronunciar sobre o caso. Também pudera, no Estatuto do Torcedor brasileiro, no 13º artigo, no inciso V, proíbe-se entoar cânticos racistas ou xenófobos, nada a respeito de cânticos homofóbicos.

Isso tudo diminui a instituição que elege para sediar a copa do mundo, um país que proíbe judicialmente qualquer manifestação pública de homoafetividade e onde 18% da população concorda que homossexualidade deveria ser crime. E, diminui também, um dia como o do último domingo (19), oficialmente o dia internacional contra a homofobia no futebol, mas um dia em que infelizmente a discussão ficou dentro do armário.

(Publicado originalmente em 23 de fevereiro de 2017: http://woomagazine.com.br/homofobia-e-futebol-uma-discussao-que-precisa-sair-do-armario/)

SOBRE A MEMÓRIA

Ela tem entre noventa e cem anos. Ninguém sabe ao certo. Muito menos ela. De um ano para o outro, a velhinha não lembrou mais de nada. Sua memória virou um líquido transparente como água puríssima, sem cheiro, cor ou gosto.

No início foi um desespero geral. Filhos, netos, bisnetos e agregados preocupados com o que poderia acontecer. “Mamãe pode se perder na rua”, dizia a filha. “Imagina se esquecer o fogão aceso”, alertava o neto. “Não quero nem pensar no que pode acontecer se vovó esquecer de fechar a porta”, estava preocupado também outro de seus parentes mais jovens.

A velhinha dos cabelos tingidos de acaju deu alguns fios brancos para seus descendentes até que todos acostumaram-se com a ideia: vovó tinha Alzheimer. Mesmo com remédios e médicos caros, sua memória regredia com o passar de cada dia.

Não recordava o nome de nenhuma das filhas e muito menos dos seus netos. Raramente lembrava-se do nome de seu cachorro e de vez em quando esquecia o próprio nome. Contudo, uma lembrança permanecia intacta em sua mente. Era a lembrança de seu primeiro namorado.

Vovó mal lembrava da última vez que almoçou, mas lembrava-se com detalhes daquele galante rapaz que a cortejava há mais de setenta anos. Como se não bastasse lembrar do jovem namorado, a pouca lucidez da vovó a fazia pensar que estava em 1940, no exato dia de seu primeiro encontro.

Por isso, todos os dias a velhinha banhava-se, colocava seu melhor vestido, passava seu mais vermelho batom nos lábios e punha-se a esperar o rapaz com aquele delicioso frio na barriga de quem se apaixona pela primeira vez. Ficava ali, esperando e esperando até esquecer o que estava fazendo ali – e isso queria dizer algo entre cinco e dez minutos.

Era bem pouco. Mas a loucura, a velhice e a doença permitia que ela vivesse os melhores dez minutos de sua vida todos os dias.

Caso tivesse boa memória, a velha lembraria que o rapaz por quem estava esperando era o homem com quem se casou e o mesmo que a abandonou anos depois. Mas para que serve a memória? O que é a memória se não uma louca que joga fora comida e guarda trapos coloridos? Talvez, ao final não sejamos um livro de memórias, uma história completa. Talvez sejamos apenas instantes.

(Publicado originalmente em 22 de abril de 2017: http://woomagazine.com.br/sobre-a-memoria/)

 

SIMPLESMENTE CHANEL

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Esta é a semana do “Dia Internacional das Mulheres”. Esta é uma coluna de moda. Escrever sobre Chanel é clichê. Não escrever sobre Chanel é um sacrilégio. São cinco filmes e alguns muitos livros, mas nada parece ser suficiente par contar a vida de Gabrielle Chanel.

Chanel é elegante, mas ganhou seu apelido, “Coco”, por cantar “Qui qu’a vu Coco” enquanto trabalhava em um cabaré. Chanel já vestiu rainhas, cantoras, atrizes e milionárias das mais diversas, mas vendeu suas primeiras peças para operárias de fábricas francesas. Chanel é feminina, mas foi a primeira a incorporar elementos do guarda-roupa masculino como calças, tweeds e o próprio corte de cabelo bem curto. Chanel é refinada, mas foi a primeira designer a mesclar bijuterias e pedras de resina com diamantes verdadeiros em uma única joia.

A estilista mais famosa do mundo veio do nada. Foi órfã de mãe ainda criança e, aos 12 anos, o pai abandonou-a em um orfanato. Depois de quase sete anos em um ambiente religioso e austero, Gabrielle Chanel sai com mil ideias na cabeça. Aos 27 anos abre sua primeira loja de chapéus em Paris, desde esse momento ela despreza as plumas e penas e traz beleza à simplicidade. Vinte anos depois, a grife de Chanel já veste as principais estrelas de Hollywood e Coco é o principal nome da moda.

Contudo, quando a artista de moda estava alcançando o auge, veio a Segunda Guerra Mundial. Ainda que a marca continuasse famosa e mesmo os soldados americanos que estavam servindo na França comprassem seus produtos, Chanel ficou reduzida a apenas uma loja.

Nove anos após o término da Guerra, a estilista francesa decide reabrir sua Maison de costura. Aos 71 anos, Coco ousa novamente e está disposta a continuar sua caminhada de livrar as mulheres dos espartilhos, dos vestidos longuíssimos e dos sapatos desconfortáveis. Apesar de ser quem era, Chanel foi duramente criticada pela imprensa européia em sua volta à moda. Diziam que ela estava “velha demais” para criar como antes.

Erro deles. Se não conquistou a imprensa do velho mundo, no novo mundo todos estavam encantados com a elegância da grife. A fashionista trabalhou todos os dias para consolidar seu império até o dia de sua morte. Gabrielle Chanel morreu 10 de janeiro de 1971, o único dia em que não trabalhou.

Chanel morreu, mas continua viva em toda mulher que ousa sem ter medo, que renova sem perder seu próprio estilo, que reconhece o luxo da simplicidade e que tem a elegância de ser única. Chanel continua viva também em sua marca, que continua sendo uma das maiores do mundo e que neste ano se dedicará a homenagear sua criadora com alguns vídeos falando sobre Coco, com o lançamento de uma nova bolsa inspirada nos primeiros tempos da loja e com um novo perfume que levará o nome de Gabrielle.

(Publicado originalmente em 10 de março de 2017: http://woomagazine.com.br/simplesmente-chanel/)

 

COLÔMBIA: UMA HISTÓRIA DE NARCOTRÁFICO, GUERRILHAS E… FUTEBOL!

É certo que futebol não é só um jogo em qualquer parte do mundo, mas na Colômbia o esporte fica ainda mais peculiar. Não, não falamos de James, Falcão ou Valderrama. Falamos de algo ainda mais inerente. Bem como grande parte dos países fanáticos por futebol, a Colômbia tem sua história nacional andando lado a lado com sua história esportiva.

O esporte colombiano teve seu melhor momento quando o país viveu uma época, digamos, delicada. Era o ano de 1989 e o mesmo “Atlético Nacional de Medellin” – que deu a Copa Sulamericana de 2017 para a Chapecoense depois do acidente aéreo – ganhou a sua primeira Libertadores. Contudo, diferente do time de 2016, o Atlético de 1989 passou bem longe do fair-play.

Dias depois da vitória, os jogadores e a comissão técnica foram comemorar o título na casa de um grande fã do clube. Só tinha um detalhe, esse fã era Pablo Escobar, o narcotraficante mais procurado do mundo naquela época. E o senhor do tráfico era não somente torcedor do Nacional como também um financiador da equipe.

A relação de Escobar com o futebol era tão íntima que na prisão-resort que ele havia construído, entre as muitas regalias que tinha, estava um campo de futebol muito bem equipado, onde aconteceram algumas partidas com o escrete colombiano completo. Com direito à comissão técnica em peso.

Um dos grandes nomes do futebol colombiano, o irreverente goleiro René Higuita era amigo pessoal de Pablo. Tão próximo do traficante que consumia frequentemente sua cocaína e foi preso em 1993 por ajudá-lo em um sequestro. Prisão que acabou por tirá-lo da Copa do mundo de 1994, na qual os “cafeteros” chegaram como favoritos.

Porém, os favoritos perderam de 3×1 para a Romênia no jogo de estreia. Derrotas são ruins, mas são catastroficamente piores quando um cartel de narcotraficantes manda um recado para equipe: perder não era uma opção. Mas diferente do mercado negro, o futebol não era uma coisa que aqueles senhores podiam controlar.

A Colômbia foi eliminada precocemente. Alguns dias depois da seleção voltar ao país com a derrota nas costas, o capitão Andrés Escobar escreveu uma coluna em um jornal de Bogotá dizendo que apesar da derrota “a vida não termina aqui”. Infelizmente, ele estava errado. Foi assassinado pelos chefes do tráfico dias depois.

Hoje, a história colombiana ainda encontra ecos no futebol, mas felizmente agora não é mais causa de morte. Há mais de quatro anos o governo colombiano tenta um acordo de paz com as FARC. Hoje, essa paz parece mais próxima. Um dos representantes da polêmica guerrilha anunciou no início do mês que para promover a reincorporação de seus membros na vida legal e para de certa forma efetivar o acordo de paz, as FARC querem montar um clube de futebol para disputar a segunda divisão do campeonato colombiano. O time se chamará justamente “La Paz FC”.

A criação do La Paz FC faz parte das metas de educação, formação de cultura para o pós-conflito da fundação “Futbol Y Paz Construyendo un Pais”, que viabilizou o projeto de criação da equipe.

O futebol já foi usado para promover a paz no país de Shakira. Em 2015, Maradona, Rincón e Aspirilla participaram do “Jogo da Paz”, usado para apoiar as negociações do acordo.

Que seja sempre assim, que o futebol continue a fazer história, mas sempre do lado dos que querem a vida, dos que querem a paz.

(Publicado originalmente em 27 de abril de 2017: http://woomagazine.com.br/colombia-uma-historia-de-narcotrafico-guerrilhas-e-futebol/)

JOÃO BOSCO: ENTRE O SOL DE CAYMMI E A LUA DE NOEL

Durante sua infância e início da adolescência, João Bosco de Freitas Mucci tinha no rock de Elvis e Little Richards suas grandes referências musicais. Aos 12 anos, ele integrou uma banda de rock mineira, a X-Gare. Quando ingressou na universidade de Ouro Preto para cursar Engenharia, as referências de João Bosco passaram a ser o jazz e a bossa – estilo musical que tinha seu ápice naqueles anos. Durante seus anos como universitário conheceu um de seus grandes ídolos, Vínicius de Moraes, com quem compôs canções como “Rosa-dos-Ventos” e “Samba do Pouso”.

Contudo, sua primeira gravação veio alguns anos depois, em 1972, quando o compositor já tinha 26 anos. Foi o “Disco de Bolso, o Tom Jobim e o Tal de João Bosco”, lançado pelo jornal “O Pasquim”. No lado A, o lançamento de nada mais nada menos que “Águas de Março”, do mestre Tom Jobim, e no lado B, “Agnus Sei” do discípulo João Bosco e de Adir Blanc.

De lá para cá já foram 45 anos e 26 discos, com canções de Bossa Nova, Samba, Tropicalismo e o melhor da MPB. Hoje, em 2017, com 70 anos, João Bosco trouxe a síntese de sua carreira e sua música no show “40 Anos Depois”, que aconteceu na última quinta-feira (26) no Teatro Bradesco Rio, na Barra.

O show foi uma reapresentação do álbum “João Bosco: 40 anos depois”, lançado em 2012. O cantor tocou seus grandes sucessos como “Bêbado e o Equilibrista”, “Nação” e “Jade”, além de canções que foram de alguma forma uma referência em sua carreira – muitas já gravadas por ele – como “Águas de Março” de Tom Jobim, “Sinhá” de Chico Buarque e “Doce” de Maria Bethânia.

Um banquinho e um violão bastaram para conduzir a noite. Um show feito para lembrar os nostálgicos sucessos ou mesmo para ter a oportunidade e prazer de conhece-los. João Bosco com todo seu talento conseguiu unir a música carioca de Vinícius e Tom, baiana de Caymmi, e mineira do próprio João Bosco, trazendo a música genuinamente brasileira para o palco.

O clima era bem intimista, uma das frases que falaram na saída do Teatro resumiu bem: “parece que você estava com um amigo íntimo tocando para você e seus amigos em uma roda de violão”.

As músicas eram de excelentíssima qualidade, bem como sua interpretação, mas o mais interessante do espetáculo foram as histórias. Por mais de duas vezes, entre uma canção e outra, João Bosco partilhou com o público algumas histórias de sua vida e de sua música.

O cantor contou casos de sua amizade com o escritor João Ubaldo Ribeiro e com o compositor Toquinho além da história de algumas canções. Contou a história de “Água de beber”, de Vinícius, música que João Bosco cantou por anos até descobrir uma que era a tal Água de beber: uma aguardente norueguesa que ficou a deriva e um navio por meses até transformar-se na fortíssima “aqua viti”.

O compositor falou também sobre a primeira vez que veio ao Rio de Janeiro, o famoso Rio de Janeiro do samba e da bossa. Ao sair do aeroporto, ele conta, foi de táxi até o Leblon pela praia. Viu o mar pela primeira vez. Era o fim da madrugada e início da manhã. No horizonte o sol e a lua. Uma belíssima cena que ficou em sua mente, uma cena igual a letrada por Tom Jobim, em “Fotografia”.  João Bosco diz que se encantou com aquela luz. Não era nem o sol forte de Caymmi nem a lua da boemia de Noel, mas uma mistura dos dois. Talvez seja assim também a música de João Bosco.

(Publicado originalmente em 27 de maio de 2017: http://woomagazine.com.br/joao-bosco-entre-o-sol-de-caymmi-e-lua-de-noel/)

DONA DIVA, SCHOLASTIQUE MUKASONGA E HISTÓRIAS QUE PRECISAM SER CONTADAS

Em meio a intelectuais, escritores e pesquisadores uma voz chama a atenção. É uma voz fina e trêmula, uma voz fraca que se torna a voz mais forte do mundo pela força de suas palavras. Era uma figura frágil, uma senhora de idade, cabelos acinzentados e pele negra já cheia de rugas. Era a dona Diva Guimarães, uma professora, uma mulher, uma negra e principalmente uma guerreira.

Dona Diva estava no meio da palestra “A Pele em que habito”, com o ator e escritor Lázaro Ramos e com a autora Joana Gorjão Henriques. Debateu-se racismo e exclusão durante a FLIP, uma festa considerada intectualizada, mas considerada excludente. Pela primeira vez, a presença de escritoras mulheres foi maior do que a de escritores homens, e o número de convidados negros foi 30% maior que nas edições passadas. E foi nesta edição que falou Dona Diva.

Ela nasceu no interior do Paraná. A duras penas, por causa de sua precária condição econômica, conseguiu estudar em um colégio de freiras. Em um colégio que dona Diva, ainda criança, escutava uma história de que quando Deus criou o mundo ele fez um rio para que os seres humanos pudessem se banhar. As freiras contavam que os brancos, que na versão delas eram trabalhadores e esforçados, foram rapidamente tomar banho enquanto os negros, que segundo as freiras eram preguiçosos, demoraram a se banhar, e por isso sua pele era escura.

A história calou fundo em dona Diva bem como calou fundo em todos que a escutavam naquela manhã em Paraty. Mas para sua sorte, a menina que ia se tornar uma professora no futuro tinha a rebeldia como sua aliada, uma rebeldia que não deixava que ela se resignasse. Além da sua rebeldia, a grande força motora era sua mãe.

A mãe que lavava roupa para fora todos os dias para que a filha pudesse estudar. A mãe que não deixava que a filha desistisse dos estudos porque sabia, assim como dona Diva Guimarães aprendeu e como todos nós devemos aprender, que só se vence pela educação.

Talvez principal responsável pela vitória de dona Diva, a mãe. Aquela figura não necessariamente subversiva ou revolucionária, mas uma figura única que guarda em si uma força extraordinária e a doçura única, como descreveu a autora ruandesa Scholastique Mukasonga, a segunda autora mais vendida na Flip, logo atrás de Lázaro Ramos.

Scholastique, autora de “A mulher de pés descalços” é ruandesa, da etnia tutsi, a que sofreu o genocídio nos anos 90. Apesar de ser de um lugar tão distante, a história de Diva e de Scholastique tem seus pontos em comum.

Scholastique também estudou em um colégio de freiras, em um colégio que também era descriminada, não só pela cor de sua pele, mas também por sua etnia. A autora conta que para entrar na escola secundária em Ruanda teve que se converter ao cristianismo e não pode mais falar o dialeto dos tutsi. A língua obrigatória era o francês, sua língua mãe era proibida.

Assim como dona Diva sofreu humilhação por ser negra no sul do Brasil, Scholastique sofreu humilhação por ser tutsi em Ruanda. Ela compara o genocídio em Ruanda com o holocausto. “Assim como os nazistas fizeram com os judeus, desumanizavam os tutsi, humilhavam, tiravam todos os direitos que é para eles se sentirem no direito de massacrar essas pessoas, de esmagar essas pessoas. Bom, já que eles são baratas, assim eles se sentiam, se sentiam no direito de destruir um povo que eles consideravam como verdadeiras baratas, como fizeram com os judeus durante o holocausto. Desumanizavam, diminuíam, que é para depois dizer ‘Bom, essas pessoas são inferiores então vamos destruí-las’”.

Scholatisque Mukasonga conseguiu sobreviver ao genocídio e se refugiou na França, onde vive até hoje. A autora afirma que escreveu seus livros como uma forma de luto, como uma forma de superar um drama de sua vida e de seu país: “Foi a maneira que eu encontrei de fazer o meu próprio luto. De poder superar esse luto, de ter visto pessoas esquartejadas por facão, por machadinhos, enfim. Foi um drama sangrento então essa literatura de memória fez com que eu realmente fosse além e completasse o luto na minha vida.”

Assim como a professora brasileira, a escritora ruandesa encontrou na sua mãe a força para sobreviver e vencer as dificuldades. A tutsi dedica à sua mãe, Stefania, seus dois primeiros livros (“A leniência das Baratas” e “A mulher de pés descalços”), os mais simbólicos de sua vida. “Na verdade esses dois deveriam ter sido os dois únicos livros que eu escrevi, depois acabei escrevendo outros, mas talvez esses fossem já totalmente simbólicos da minha vida. Em ‘A mulher de pés descalços’ faço uma homenagem à minha mãe. Ela foi uma pessoa que sempre dizia que você tem que recusar de aderir à essa ideologia de se exterminar uns aos outros. Então na minha literatura, eu uso de algumas palavras como se fossem uma mortalha para minha mãe”.

Ainda sobre o uso da figura feminina, o uso da mãe em sua obra, ela diz que nunca pensou sobre isso, que foi algo espontâneo, mas necessário: “Eu nunca me fiz essa pergunta, foi uma coisa que veio naturalmente, veio espontaneamente, homenagear essa mãe. Escolhi esse assunto do genocídio, que é um assunto terrível, um assunto muito duro para mim e porque na verdade a mãe significa no mesmo tempo a força, mas também significa o amor, a afeição, a ternura e a doçura, e é o que a minha mãe representava. Quis com isso fazer uma reparação, fazer um testemunho dessa vida que foi a vida deles e em toda essa dureza, em toda essa dificuldade que eu tive para escrever, porque ao escrever e pensar essa memórias que para mim é como se tivesse lanças que estivessem penetrando meu corpo, porque o sofrimento foi realmente atroz como você pode imaginar. Então eu quis que tivesse essa figura da mãe que sempre foi um símbolo de doçura, de afeto para as pessoas. Por isso que escrevo sobre a mulher”.

Scholatisque escreveu apenas seis, e diz que “A mulher de pés descalços” é o livro com qual ela se sente mais vinculada. O título é inspirado em sua mãe que estava sempre de pés descalços, tinha uma personalidade de pessoa forte e estava sempre disposta a enfrentar todos os problemas, as dificuldades pelos quais eles passavam. No livro, ela sempre fala desse símbolo da mulher e da mãe, a mãe dela sempre fazia tudo para salvar os seus filhos. Então a autora simboliza essa tradição da vida que é a mulher que sempre tenta proteger os seus filhos. Ela quis manter essa imagem da mãe dela sempre ligada a esse aspecto do amor e essa mulher de pés descalços, ela é a própria mãe dela que ela via, na qual ela pensava sem parar.

O outro ponto de interseção entre a vida de Diva e de Scholastique é que as duas estavam na Flip, que inspiraram, cada uma a sua maneira, com suas palavras e seguem inspirando com suas histórias. Histórias de exclusão, de luta, de vitória e histórias que precisam ser contadas.

(Publicado originalmente em 1 de agosto de 2017: http://woomagazine.com.br/dona-diva-scholastique-mukasonga-e-historias-que-precisam-ser-contadas/)

DESFILES TRADICIONAIS AINDA SÃO PERTINENTES?

Estamos em uma fase do capitalismo em que não se vendem mais produtos, e sim experiências. Não se compra mais uma camiseta apenas com a finalidade de vestir. Compramos uma camiseta pelo que ela, sua estampa, corte ou marca representam e pelo grupo com o qual nos identificamos usando aquela camiseta. Isso explica o fenômeno de marcas como a Supreme, que vende em pouquíssimas lojas e com pouca divulgação, quem veste Supreme, ainda que tenha que pagar um preço bem mais alto, sente-se parte de um grupo restrito composto por celebridades, influenciados digitais e skatistas ligados ao mundo da moda. Não é apenas uma camiseta branca com um logo em vermelho. É um sentimento de pertencimento.

Se modificamos nosso modo de se relacionar com o que vestimos, também mudamos a forma de consumir. E isso se relaciona tanto aos conceitos de upcycling, slow fashion e consumo consciente – hoje até marcas de fast fashion como a H&M estimulam a diminuição do consumo de roupas – quanto com a forma que compramos nossas roupas. Existem grifes como a “Agora que sou rica”, a nova queridinha das blogueiras brasileiras, que era um blog e se tornou uma loja 100% online, que só existem nas plataformas digitais.  Além disso, uma forma de consumo de roupas e acessórios que vem se proliferando são os “guide shops”, no Brasil o mais famoso exemplo é a Amaro, uma loja física e on-line sem vendedoras, mas com consultoras sempre disponíveis para te ajudar a escolher as peças, um tipo de personal stylist mais acessível.

Se mudamos nosso relacionamento com o vestuário, nossa forma de consumo por que não modificamos a forma que as coleções de moda são apresentadas? Isto é, será que em tempos de mudança geral na forma do consumo de roupas e acessórios os tradicionais desfiles de moda em passarelas e calendários fixos são a melhor forma de conhecermos as novas criações das grandes grifes fashion?

É certo que desde 1943, quando foi criada a primeira semana de moda do mundo, em Nova York, os desfiles já mudaram muito. Ainda que existam o big-five das cidades com os maiores desfiles do mundo (Nova York, Milão, Londres, Paris e Berlim) praticamente toda grande cidade do mundo tem sua própria semana de moda. Hoje se discute, dentro das passarelas a diversidade de todas as formas, o fim do racismo, da gordofobia e da desigualdade de gênero dentro da moda. Todas essas discussões tentam deixar as Semanas de Moda mais coerentes com o tempo em que vivemos, mas não parece ser o bastante.

Desde o ano passado a São Paulo Fashion Week adotou um modelo de desfile que está sendo adotado por outras Semanas de Moda há alguns anos: o “see now, buy now”. Buscando adaptar-se a nossa cultura do instantâneo e da efemeridade, hoje qualquer peça das coleções apresentadas nas passarelas já está disponível nas lojas, mas não parece ser o bastante.

O próprio público dos desfiles já se modificou. Em 1943, quando a Semana de Moda ainda se chamava “Press Week”, apenas especialistas de moda sentavam-se na primeira fileira. Hoje, a primeira fila dos desfiles são povoadas por celebridades e influenciadores digitais que muitas vezes pouco se relacionam com o mundo da moda, mas que fazem as coleções terem mais repercussão nas redes sociais, mas não parece ser o bastante.

Ainda estamos no meio da temporada de moda. A Paris Fashion Week acabou de começar e a Berlim Fashion Week ainda nem começou, mas desta vez multiplicaram-se as formas novas de se divulgar um desfile e está latente a necessidade de criar mais formas. Apesar de trazerem inovações na moda, os desfiles em passarelas convencionais estão cada vez mais tediosos.

Em Nova York, a #WangFest, o after-party de Alexander Wang levou a coleção das passarelas para as ruas da cidade com direito às modelos, que também são influenciadoras digitais, passeando descontraídas pelas ruas levando na cabeça um arco festivo com os dizeres #WangFest.

Em Londres, Gareth Pugh evitou os desfiles e escolheu um filme dirigido por Nick Knight para apresentar sua coleção. Além de ter mais liberdade criativa em um filme, as possibilidades são mais amplas, o designer considera os desfiles caros e pouco sustentáveis. Desde 2015 ele vem adotando este modelo e sendo muito bem-sucedido.

A própria inexistência de um desfile para uma marca tão influente hoje como a Supreme, nos diz que talvez os desfiles não sejam assim tão imprescindíveis para o sucesso de uma marca ou de uma coleção.

É claro que dentro dos desfiles tradicionais ainda há espaço para inventividade. Os desfiles conceituais de Ronaldo Fraga ou o desfile no início do ano da Chanel de Lagerfeld com direito à uma nave espacial e à modelos-robôs, mostram que as Semanas de Moda não precisam ser chatas, ainda há o que criar dentro da fórmula. Contudo, o tempo e as tendências avançam a passos largos e precisamos de desfiles que cada vez mais correspondam aos nossos tempos.

(Publicado originalmente em http://woomagazine.com.br/desfiles-tradicionais-ainda-sao-pertinentes/ 26 de setembro de 2017)

10 ANOS DE KUWTK: COMO AS KARDASHIANS IMPACTARAM A MODA

No último sábado, o reality show mais amado e odiado da televisão completou 10 anos. Nada de Big Brother ou Masterchef, quem continua sendo talvez o reality de maior influência hoje depois de 10 anos de existência é o “Keeping up with the Kardashians”.

Alguns vêem o programa que acompanha a vida das irmãs Kardashian-Jenner um poço sem fundo de futilidade. Outros vêem no reality que já originou outros 10 programas uma ideia genial e não conseguem parar de assistir. O fato é que ninguém permanece indiferente à vida de Kim, Khloé, Kris, Kendall, Kylie, Kourtney, Caitlyn e Rob. Mesmo quem nunca assistiu ao programa não fica longe da família que fatura nada menos que 80 milhões de dólares por mês apenas com a sua imagem.

Seja acompanhando nas redes sociais, usando as maquiagens de Kylie ou Kim, vendo os desfiles de Kendall, vendo as polêmicas sobre da transição de Caitlyn, ouvindo as músicas Kanye, acompanhando as brigas de toda a família com as celebridades ou mesmo falando mal de todas elas: todos são impactados de alguma forma por esta família.

A moda também não passou impune. Várias tendências que são a cara dos anos 2010s foram lançadas pelas Kardashians. A proliferação de meninas que se inspiram nas selfies de Kim nas redes sociais compor seus looks são uma prova disso. Por isso, nada mais justo que listar as principais contribuições desta família para o mundo fashion.

Khloe e a diversidade na loja de departamentos

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Khloé é uma grande entusiasta da vida fitness, tanto é que comanda o reality “Revange Body with Khloé Kardashian”, um programa que faz pessoas comuns emagrecerem para se vingarem de pessoas que as constrangeram no passado. Mas não é por isso que ela discrimina quem se decide por ser feliz com corpos mais gordinhos. Sua marca de jeans “Good American” não apenas produz calças plus size, mas em sua última coleção em parceria com a loja de departamentos Nordstrom ela pediu que não houvesse separação entre a sessão que vende os jeans plus size e a que vende os tamanhos menores para realmente celebrar todos os tipos de corpos

Kendall um dos rostos da sua geração

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Como nós já falamos aqui, Kendall Jenner está se tornando uma das maiores modelos de sua geração. Quando desfilou pela primeira vez pela Victoria’s Secret, a mídia dizia que Kendall só conseguira um lugar no casting da marca por ser membro da família Kardashian-Jenner. Se no início isso era verdade ou não nós nunca saberemos, mas o fato é que a cada dia ela se distancia mais da sombra de suas irmãs e é uma das modelos mais requisitadas pelas grifes. Até hoje ela já desfilou pela marcas como Marc Jacobs, Chanel, Tommy Hilfger, Givenchy e Moschino.

Kardashians e Balmain

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Se as Kardashians fossem uma grife fashion seriam a Balmain. O estilista da marca, Oliver Rousteing, é BFF de Kim Kardashian e isso não é segredo para ninguém. O designer já virou até personagem no game app de Kim. Kendall já desfilou para a marca e até Kanye já posou para a Balmain. Várias outras celebridades como Jered Leto e Rihanna já foram vestidas por Rousteing, mas só Kim é a sua musa. A marca sempre foi conceituada no mundo da moda, mas sem dúvidas as Kardashians ajudaram a aumentar sua popularidade.

Kanye e a Yezzy

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Kanye é um dos maiores rappers do mundo e isso não tem como negar. E hoje é também um dos maiores estilistas da cultura hip-hop. Casacos over-sized e blusas rasgadas só ganharam status de cool depois de Kanye desenhá-las e sua família vesti-las. Pode-se dizer que o fato da cultura hip-hop ter entrado de vez no mundo da moda muito se deveu ao marido de Kim Kardashian e à sua grife.

Kardashians, preto e nude

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É claro que as Kardashians não inventaram o nude e muito menos o preto. Mas se saímos do hype do rosa-shocking e das cores vibrantes muito se deve à essa família. Principalmente depois de Kanye entrar na família, a cartela de cores neutras, não só o preto e o nude mas também o branco e tons mais fechados de marrom e verde, passou a imperar no guarda-roupas de todas elas e depois de imperar no closet delas passou a imperar também no nosso!

Essas tendências lançadas ou impulsionadas pela família mais assistida do mundo são só no mundo da moda. Dentro do mundo da beleza as tendências lançadas pelas irmãs são outras tantas: os lábios  cheios de Kylie, o cabelo à la Cher (ou à la Simaria se preferir) de Kim, as perucas de Kylie, o contorno do rosto de Kim e é claro, as intervenções cirúrgicas na maioria delas. Goste ou deteste é tarde demais: você já foi impactado pelas Kardashians.

(Publicado originalmente em: http://woomagazine.com.br/10-anos-de-kuwtk-como-as-kardashians-impactaram-moda/ 17 de outubro de 2017)

SLOW-FASHION: UMA MODA CONSCIENTE

Por décadas a moda foi tachada como a cultura das futilidades e do descartável. Desde os anos 60, há uma sucessão interminável de tendências que vem e que vão. Quantas vezes já não amamos e odiamos o salto plataforma, por exemplo? Mas para cada vez que o salto saía de moda seu destino é o lixo, sem pensar duas vezes. Não é à toa a expressão que diz “fulana faz tal coisa como troca de roupa”, trocamos de roupa excessivamente. Depois de usada, a roupa foi por anos descartada sem ao menos uma reflexão sobre seu destino final.

São 5 as principais semanas de moda, cada uma gera pelo menos 10 tendências de estampa, tipo de tecido, acessório ou de streetstyle. Nossa fome de roupas novas é tanta que hoje as Fashion Weeks são “see now, buy now”, ou seja, ninguém aguenta mais esperar para que as peças novas cheguem às lojas, agora elas chegam no momento do desfile. Coleções prêt-a-porter e coleções cápsulas se multiplicam por que ninguém quer mais esperar para vestir.

Nessa ansiedade pelo novo e pelo mais, houve uma proliferação das lojas de fast-fashion, grifes como Zara, Forever 21 ou C&A, que oferecem a moda simplificada e rápida. Não há a necessidade de escolher um só estilo, como diz o slogan a Renner tem todos. A sua roupa, da sua mãe e do seu namorado estarão no mesmo lugar, as lojas contemplam a todos. E se a moda passar, na próxima semana você pode comprar a novo hype na mesma loja. Nem se quer é preciso pagar muito, a Riachuelo te oferece uma peça assinada por Karl Lagerfeld por menos de 200 reais. Talvez a durabilidade não seja a mesma que uma bolsa Lagerfeld original, mas não há com o que se preocupar: quando a bolsa estragar a Riachuelo vai te oferecer outra talvez até com um preço menor.

As lojas de fast-fashion seriam a solução de todos os nossos problemas? Até seriam. Seriam se não estimulassem uma cultura do imediatismo e consumismo que nos faz mal psicologicamente, faz que as relações humanas também sejam vistas como artigos descartáveis. Seriam se não fossem elas as responsáveis por 10% das emissões de carbono na atmosfera – peças de fast-fashion emitem 400% mais gás carbônico em sua produção que as peças normais, que podem ser usadas cerca de 50 vezes. Seriam se a fibra têxtil mais usada na fabricação das roupas de fast-fashion, o poliéster não demorasse cerca de 200 anos para se degradar. Seriam se a indústria têxtil que alimenta as marcas de fast-fashion não liderasse os casos de trabalho escravo no estado de São Paulo e não houvessem recorrentes escândalos sobre fábricas de roupas na Ásia que mantém seus trabalhadores em condições de trabalho escravo.

Contudo, assim como há uma onda de alimentação saudável se opondo à cultura dos fast-foods, há uma onda de moda sustentável se opondo à cultura do fast-fashion. Essa onda chama-se slowfashion, um termo cunhado em 2008 pela inglesa Kate Fletcher, consultora e professora de design sustentável do britânico Centre for Sustainable Fashion. Justamente inspirado no movimento de slow-food, o slow fashion incentiva que tenhamos mais consciência dos produtos que consumimos, retomando a conexão com a maneira em que eles são produzidos.

Essa forma de produção e de consumo estimula a tomada de tempo para garantir uma produção de qualidade, isto é, os produtos da moda slow, se são pensados para não serem substituídos rapidamente são também pensados para terem durabilidade e serem peças atemporais, peças que não se tornem cafonas da noite para o dia.

Se a ideia é não trocar de roupa a cada instante, a slow fashion também propõe um guarda-roupa de personalidade forte. Quando não há preocupação em seguir tendências efêmeras há a preocupação em formar um estilo consolidado, isto é, a moda slow é também uma moda centrada no indivíduo e suas características próprias.

Sendo centrada nas características de cada um, essa forma de consumo é ligada ao conceito de diversidade social e cultural: se não existem hypes voláteis a moda deve abarcar a todos, independentemente de idade, gênero ou formato do corpo.

Mas a característica principal do movimento slow fashion é a responsabilidade ecológica: há uma consciência ambiental (e social) desde o momento da extração da matéria prima até o descarte das peças. A moda slow propõe uma cadeia de produção mais interligada, em que a grife estampada na etiqueta tenha conhecimento de todas as etapas da produção do seu produto e, com isso, haja mais preocupação com a sustentabilidade. Já foi o tempo em que as empresas exibiam um selo verde, mas suas fornecedoras eram agressoras do meio ambiente. Hoje quando uma etiqueta se diz verde toda a sua produção – e até o seu descarte – também deve ser.

O slow fashion ainda é um movimento novo, só tem nove anos, e o fast-fashion ainda impera. Mas o verde está em voga já há algum tempo, e não há razão para que ele não entre de vez na moda.

(Publicado originalmente em: http://woomagazine.com.br/slow-fashion-uma-moda-consciente/ 21 de novembro de 2017)

BODY NEUTRALITY: UM NOVA FORMA DE ENXERGAR O CORPO

Pelo menos desde a Idade Média a relação do ser humano com o seu próprio corpo não é a ideal. Na renascença os corpos deveriam ser grandes e gordos para serem belos. Já no começo do século XXI a regra é exatamente o oposto: a magreza das top models ditou os padrões de beleza. Hoje, a moda são os corpos curvilíneos e esculpidos em academias. Independente do formato, o padrão de beleza sempre seguiu um padrão inalcançável para cada época: no século XV a fartura era para poucos então os corpos gordos eram para poucos. Depois, nos anos 90 e 2000 a magreza das capas de revista e passarelas é impraticável para a maioria dos metabolismos. E agora parece que o corpo de academia nunca estará como os do Instagram.

Nossa relação com nosso próprio corpo sempre foi conturbada. Mas de forma inédita, hoje estamos questionando os padrões de beleza, de gênero, de representação, de tudo! E quando se fala em estética, sexualidade e representaçãomesmo, não tem como o corpo ficar de fora. Existem cada vez mais iniciativas lindas como a da Rihanna de trazer todos os tons de pele possíveis para sua coleção de maquiagens, ou de Khloe Kardashian de fazer com que jeans de numerações especiais possam ser vendidos ao lado das numerações menores sem nenhuma distinção. Modelos como Ashley Graham ou Candice Huffine mostram que a moda só tem a ganhar com a pluralidade de corpos.

ashley

O mais importante de tudo isso é que as mulheres magras, gordas, altas, baixas, negras, brancas, latinas, asiáticas, todas podem se ver representadas nas passarelas, nos comerciais e nas lojas. E com toda essa onda de desconstrução dos padrões, de representatividade e de empoderamento entra o movimento body positivity. Esse movimento consiste em uma filosofia de amor próprio na qual devemos olhar para os nossos corpos e amá-los da maneira que são, sem querer que ele seja mais magro ou mais gordo. Não se trata de abominar uma vida saudável e regrada ou procedimentos estéticos, mas amar seu corpo (e consequentemente amar o seu próprio ser) sem nenhum tipo de obsessão ou sofrimento. É muito mais sobre assegurar que jovens parem de sofrer com os distúrbios alimentares que os atormentaram durante décadas do que ir contra o estilo de vida fitness ou uma dieta vegan.

body positivity ganhou mais adeptos na nova geração de feministas dos últimos anos, mas a ideia veio com a segunda onda do feminismo nos anos 60 e têm ajudado muitas pessoas, principalmente mulheres que são as que mais sofrem pressão para se enquadrarem no padrão de beleza imposto pela mídia, a se aceitarem mais e terem uma boa autoestima.

body-positivity

Contudo, algumas feministas dos Estados Unidos consideram que essa filosofia, ao invés de ajudar as mulheres a terem uma mentalidade saudável, às vezes atrapalha. O body positivity às vezes se traduz em uma obrigação de aceitar e amar seu próprio corpo. Amar, da noite para o dia, uma coisa com a qual você nunca se identificou pode ser um processo um tanto quanto desesperador. Imagine alguém com transtorno alimentar ter como única saída amar o corpo contra o qual trava uma batalha todos os dias. Complicado, não?

É aí que entra o movimento body neutrality: nem amar nem odiar o corpo, ter uma percepção neutra dele. Esse movimento quer que as mulheres deixem de lado a percepção que os outros tem de seu corpo – o que, na maioria das vezes, é a causa principal para a baixa autoestima – e tenha um equilíbrio maior entre o que o seu corpo realmente é e como você o percebe. Muitos concebem o body neutrality como um processo intermediário entre o ódio e o amor próprio. O movimento funciona quase que como um detox das imagens viciadas que nós temos atreladas ao nosso próprio corpo.

body neutrality prega uma visão não só neutra, mas funcional do próprio corpo. Afinal, nosso corpo é nosso meio de estar no mundo e nossa representação nesse plano. Para que queremos um corpo do jeito que queremos?

O objetivo central dessa filosofia é a saúde mental e com a saúde mental é claro que a saúde corporal é mais fácil de ser conquistada. Um olhar neutro para o corpo nos conecta mais profundamente com as suas reais necessidades. Cuidamos melhor de um corpo quando compreendemos bem o que acontece com ele, sem encantamentos nem medos. Manter uma relação saudável com o corpo é o segredo para manter um corpo saudável.

 

(Publicado originalmente em: http://woomagazine.com.br/body-neutrality-um-nova-forma-de-enxergar-o-corpo/ 5 de dezembro de 2017)